16 de ago. de 2011

Ser pai

SER PAI
  • Rosam Cardoso -
    www.artesaosdoser.com.br


Num só jato, muitos de mim irromperam em correria, levados por uma força invisível que impele à frente até a chegada daquele imenso corpo no qual tenho o desejo incontrolável de penetrar. São muitos de mim. Sem nenhum instante de descanso, ocupo-me de todas as maneiras até que um vão se abre e lanço-me a dentro e imediatamente o que era eu desfaz-se e faz-se com o outro a multiplicar-se. Não sou mais eu, mas algo de mim que continua. Entrelaçado à parte dela, juntos vibramos numa determinada frequência em que se encaixa uma alma, aguardando para ressoar. Quando tudo ecoa, pronto! Está feito um novo caminhar.

A partir daí, também nasce o pai, que se sobressai como suporte da fêmea a velar a cria. Quando sai, o filhote se anuncia e pousa sobre um berço de corações: a mãe, que cuida e alimenta, e o pai, que cuida e protege ambos - guardião postado em sentinela para suprir, prover e resguardar a delicada simbiose que mãe e filho vivenciam.
Para o filhote, ainda é um estranho, um sujeito que cuida quando a mãe desaparece, mas que, aos poucos, à medida que semeia presença, torna-se um cúmplice de jornada. É uma construção afetiva que acontece em passos de formiguinha, a cada dia que aparece fazendo gracinhas, dando banho, trocando fraldas, ninando para aguardar o sono.
Às vezes, é um desajeito só. Tenta, a todo custo, sanar as angústias do rebento; vira-se de cabeça para baixo, faz caretas, gesticula que nem palhaço, mas nada adianta. Falta-lhe a proeminência materna que esguicha a quentura láctea que afaga a fome; a aderência da pele que só a mãe tem, um jeito de encaixe de corpos feitos um para o outro, com pulsação e aromas exatos na medida do acolhimento.
Quando crescida, a criança já olha aquele cara com mais empatia. Já se socorre em seus braços para buscar conforto. Ele conta histórias, brinca, faz buracos na areia da praia, constrói castelos. Ele ensina a andar de bicicleta, a subir em árvores. Começa aí a maior aptidão do pai: lançar o filho ao mundo. O pai é o arco; a criança, a flecha. Ele leva aos desafios, faz enfrentar os medos e a dor, a perseverar mesmo quando tudo está difícil. Consola na derrota, mas deixa aberta a porta para novas tentativas. É firme quando sabe que é preciso para que a criança vá. A criança não sabe que pode; o pai sabe, por isso é amorosamente duro.
O pai é aquele que se abaixa na altura do olhar da criança para poder conversar com ela, colocando-se de igual para igual e respeitando a criança como uma entidade plena e completa. É uma atitude humilde de quem se ajoelha na frente do futuro porque se sente presente. O pai sabe que a criança é uma pessoa a se compor. O pai dá a estrutura, orienta e aguarda. Aceita a experimentação do jovem e suas escolhas. Está sempre disponível para elaborar junto, sem impor seus princípios, vontades ou crenças. Coloca o máximo de variantes possível para que o jovem expanda sua capacidade de refletir e exercite a escolha. O pai confia no que semeou.
Quando maduro, o jovem parte para criar seu próprio mundo a ir na direção de suas conquistas. O pai se senta na plateia da vida e assiste a ele em suas aventuras. Aplaude orgulhoso, é cúmplice quando falha e dá suporte se preciso, mas não é mais pai: é parceiro, é amigo. É coração que se multiplicou.  

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