30 de mai. de 2013

Acredito na vida





     Certa vez conheci um homem, em uma circunstancia um tanto difícil e sofrida. O conheci em um leito de hospital já se encaminhando para despedir-se da vida.
   Bati à porta do seu quarto, pedi licença e entrei sorrindo. Encontrei um rosto endurecido em um corpo alquebrado que me disse:
 _ Se você veio rezar pela minha saúde, perdeu seu tempo!
Pensei que, se eu tivesse vindo fazer isto o faria em silencio e de nada adiantaria sua rejeição. Não é preciso que acreditemos em Deus para que Ele cuide de nós, basta que Ele acredite em nós. Mas eu não disse, porque não havia ido lá para rezar. Respondi-lhe apenas que queria conversar um pouco, se ele assim desejasse. Não me lembro que assunto se seguiu, deve ter sido algo relacionado à sua doença, mas me lembro bem da dureza, descrença e revolta estampadas em seu rosto.
     Nas próximas visitas sempre encontrei nele a mesma expressão carregada. O sofrimento era latente, não só o causado pela doença, mas o maior deles: o interior. A dor que aquele homem carregava por não ter visto na vida, da qual ele agora se despedia, nenhum alento, era comovente. Eu sentia enorme compaixão por ele, não pelo ser doente do corpo mas pelo ser de alma adoecida. Os assuntos com ele, sempre eram sobre a sua história de sofrimento por ter sido roubado. Me pareceu que havia traçado para si uma única meta na vida, e como esta não havia transcorrido como planejado, se considerava já sem vida. Deve ser por isto que as suas próprias células resolveram se auto-destruir, exterminando-o aos poucos.
     A despeito de toda irritação dele, eu permanecia certa de que me desejava ali, mais do que isso, esperava ansioso por nosso encontro semanal. Ele não me dava muito tempo para falar, eu mais o ouvia e em algumas poucas pausas que ele fazia, deixava escapar uma de minhas histórias, tão distante e opostas às dele. Com o decorrer dos encontros o tempo para que eu inserisse minhas histórias nas nossas conversas foi se ampliando cada vez mais, até que um dia pela primeira vez ele pareceu notar-me realmente. Neste dia ele falou por apenas uns poucos minutos sobre as coisas das quais fora vítima e em seguida me perguntou: _ Por que uma moça bonita perde tempo em um hospital toda semana? Isto não é função para as “carolas velhas”? 
     Achei engraçado o jeito que ele perguntou e respondi que eu estava fazendo estágio para aprender sobre a vida, já que um  dia serei uma velha e quem sabe até uma “carola”, e como gosto de fazer tudo bem feito, é bom começar a aprender cedo.
     O homem abriu um sorriso, um enorme sorriso de dentes grandes num rosto magro, o primeiro sorriso que vi nele. E aqui reafirmo a minha teoria de que para encontrarmos alguma felicidade é necessário tirarmos os olhos de nós mesmos e colocarmos nos outros, nas coisas ao nosso redor - era exatamente isto que eu estava fazendo lá, tirando os olhos de mim, tirando os olhos de uma imensa dor, para conhecer a dor do outro. A partir deste dia ele passou a se interessar mais por mim, minha vida, minhas histórias. Aos poucos parou de recitar o seu drama de vida, de lamuriar, de praguejar, tinha agora algo melhor a fazer: compartilhar um pouco da minha vida, das minhas histórias, piadas, assuntos tão sem importância, frivolidades. Mas, que faziam nele uma revolução no espírito. E, ele sorriu mais algumas vezes antes que eu um dia encontrasse seu leito vazio.
     Tempos de grandes aprendizados aqueles, não só com o homem que demorou a sorrir, mas com tantas outras pessoas daquele hospital de tratamento contra o câncer, que me ensinaram muito sobre a vida quando se despediam dela. 
     É preciso acreditar que a vida é um aprendizado, que além da nossa vivência, a vivência de outros também nos pode ser útil em qualquer circunstância ou época, e eu acredito!


4 comentários:

  1. Bom dia Van!

    Lindo amiga!

    Uma história comovente!
    Esta vida é uma aprendizado constante...
    Tudo nos ensina;principalmente a dor!

    Um ótimo fim de semana querida

    Beijos e abraços

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  2. Oi Janete

    É verdade que tudo nos ensina, mas para aprendermos com a dor é preciso não darmos a ela importância maior do que ela tem, senão bloqueamos o aprendizado e ficamos presos à dor.

    Beijos

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  3. Van, saudades imensas de te ler! :)
    Lindo texto e depoimento...me fez lembrar os atendimentos que faço em meu serviço voluntário. Certa vez atendi um jovem à beira de acabar com a própria vida, cansado, revoltado, me questionando o porque de me preocupar com ele, um desconhecido, e fiquei firme ao seu lado. Num dado momento ele acreditou que eu realmente estava me preocupando, e isso parece tê-lo feito repensar seu impulso.
    Não sei se sobreviveu...mas pelo menos, naquele instante, foi um conforto para ele saber que alguém se importava.
    Aprendemos muito quando observamos e compreendemos, sem julgamentos, o sofrimento alheio.
    Um grande abraço!

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    Respostas
    1. Oi Bia

      Saudades imensas de você também!

      Saudades da sua bondade, da sua pureza e sensibilidade.

      Amiga inesquecível, você é uma das lembranças mais constantes e boas que tenho da internet e da minha caminhada por aqui, hoje tão escassa.

      Te admiro e te gosto imensamente, Bia!

      É tão você isto de ter compaixão, de se preocupar com o outro.

      Penso que mais nos ajudamos quando ajudamos o outro, do que a ele mesmo, sempre aprendemos algo sobre nós e sobre a vida.

      Um beijo cheio de carinho!

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