Os ciganos participam da história brasileira de uma forma muito mais densa do que é popularmente conhecida. No último dia 25 de janeiro deu-se entrada a um projeto na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, em nome da entidade estadual AGK - Associação Guiemos Kalóns - propondo o resgate da história dos povos ciganos no estado, abrindo com a realização de uma semana de cultura cigana no espaço cultural Gustavo Capanema, do Legislativo mineiro.
Por Luiz Antônio Zanon
luizdomosaico.blogspot.com.br
Presentes no Brasil desde a colonização, têm sua origem no norte da Índia, como escreveu a professora Marta Vanelli no artigo “Nomadismo Cigano: migração dos excluídos”, publicado na edição 23 dos Cadernos do CEOM:
“As origens dos povos ciganos sob o aspecto linguístico, diante do estudo dos diferentes dialetos do idioma Ramoni adotado pelos ciganos, demonstra que foram povos sedentários da região de Gurajati (norte da Índia) e se tornaram nômades, diante das ocupações e perseguições em sua terra de origem, a partir do primeiro deslocamento para o Oriente Médio. Na Europa, no século XV, com as sucessivas migrações, o povo cigano deixou de ser homogêneo, com o surgimento de diferentes tribos, como os Calon ou Kalé, que se expandiram em Portugal e na Espanha, posteriormente migraram para as Américas para fugir da Inquisição. Mas, também os Kalderash e os Lavora, considerados como autênticos ciganos, enquanto os descendentes dos Calon eram os espúrios. O primeiro registro escrito foi em 1050, quando foram denominados de Adsincani, posteriormente receberam outras identificações, como: gypsy, egypter, gitan, gitano, grecianos, tsiganos, zíngaros, romanichel e boémiens, sendo o termo cigano na realidade uma identificação genérica (MENDES, 1997, p. 16; MELO, 2007, p. 4)”.
Em seu livro “Ciganos no Brasil – Uma breve história”, o professor Rodrigo Corrêa Teixeira, da PUC-MG, lembra que houve um período no Brasil em que só se falava de ciganos “quando inquietavam as autoridades. (...) por exemplo quando eram acusados de roubar cavalos. Nas poucas vezes que se escrevia sobre aspectos culturais dos ciganos, não havia qualquer interesse sobre como eles próprios viam sua cultura”.
O livro explicita também como os ciganos eram descritos no primeiro dicionário de língua portuguesa, editado em Portugal no início do século XVIII e de autoria do padre Raphael Bluteau: “Nome que o vulgo dá a uns homens vagabundos e embusteiros que se fingem naturais do Egito e obrigados a peregrinar pelo mundo sem assento nem domicílio permanente, como descendentes dos que não quiseram agasalhar o Divino Infante quando a virgem Santíssima e S. José peregrinavam com ele pelo Egito”, já que a igreja considerava herege o comportamento dos ciganos”.
Já no Brasil, um século depois a edição local do dicionário mantinha a discriminação: “Raça de gente vagabunda, que diz que vem do Egito e pretende conhecer de futuro pelas raias, ou linhas da mão; deste embuste vive, e de trocas, e baldrocas; ou de dançar, e cantar: vivem em bairros juntos, tem alguns costumes particulares, e uma espécie de Germânia com que se entendem (...) Cigano, adj. Que engana com arte, sutileza e bons modos”.
Em 2012 o Ministério Público Federal entrou com ação judicial para que se recolhessem edições do dicionário Houaiss, que, mesmo indicando que são de uso pejorativo pela população, manteve significados do termo “cigano” usados pelas pessoas: “que ou aquele que trapaceia; velhaco; burlador” e “que é apegado ao dinheiro, agiota, sovina”. Se a definição do dicionário comporta parte que diz respeito ao entendimento popular, isso significa que esse entendimento de alguma forma ainda está mantido, e que carrega enorme carga de preconceito que leva à discriminação. A ação se originou de representação formulada por Cleiber Machado Fernandes, do grupamento Calón mineiro e membro da ONG Embaixada Cigana do Brasil – Phralipen Romane.
O presidente da ONG, o antropólogo, lingüista, escritor e professor da PUC-SP Nicolas Ramanush, manifestou na época o descontentamento: "O grande problema é que só tem a visão do preconceituoso", e defendeu que caso a definição pejorativa não fosse retirada, deveria ser acrescida outra que esteja de acordo com a visão e sentimento do povo cigano.
A ONG desenvolve uma campanha contra o preconceito, diz Nicolas: “Diariamente eu arranco, com minhas mãos, os preconceitos dos corações de todos aqueles que generalizam a nosso respeito dizendo que ‘cigano é ladrão’...’cigano não presta’. Mas os preconceitos crescem ali novamente, como ervas daninhas”. O país tem que promover seus resgates e isso tem que mudar, cedendo lugar à compreensão e ao respeito, nas diversas situações cotidianas. Esclareceu ainda que no Brasil a maioria dos ciganos tem devoção por N S Aparecida.
O projeto levado à Assembléia Legislativa mineira foi repassado, logo a seguir, para muitos vereadores da Câmara Municipal de Belo Horizonte. A instituição foi contatada também pelos departamentos de Antropologia e Direito da UFMG e deverá realizar na próxima quinta-feira, dia 21, às 10 horas, uma audiência pública em relação a uma área federal ocupada há décadas por ciganos Kalóns na capital, na estação São Gabriel, onde vivem em situação de penúria e privação de serviços públicos básicos. O presidente da AGK, Carlos Amaral, disse esperar inclusive a sensibilidade de deputados estaduais e federais, com sua presença ou de prepostos seus na audiência.
Segue texto do projeto apresentado à Assembléia Legislativa mineira, protocolizado por este articulista, que presta assessoria, por solidariedade, à AGK. Matéria sobre o tema pode ser lida no blog http://luizdomosaico.blogspot.com.br
Projeto de resgate da história e cultura ciganas
A Associação Guiemos kalóns, entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos, que representa interesses de povos ciganos, especialmente a etnia Kalón, através de seu presidente, Carlos Amaral, membro do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, solicita a esta Casa seja concedido o espaço cultural para mostra de cultura, história e tradições ciganas, como em seus aspectos artísticos, religiosos, culinários, produção intelectual, de artesanato, etc.
Apesar de expressivas em Minas Gerais – atingindo centenas de milhares de pessoas -, as etnias ciganas, presentes na formação da identidade histórica e cultural brasileiras, ainda passam por forte processo discriminatório, resultado de visões preconceituosas que necessitam ser transformadas possibilitando-nos uma maior integração com os diversos segmentos sócio-culturais que formam a mineiridade, o que, numa perspectiva democrática, só fará crescer a necessária convivência respeitosa entre a diversidade que forma e habita nosso país.
Em dezembro último o Senado Federal promoveu Audiência Pública através da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa para tratar das questões pertinentes às etnias ciganas, que decidiu inclusive pela elaboração do Estatuto dos Povos Ciganos. (Informe da Agência Senado anexo)
Lembramos sempre que a história política e cultural brasileiras, como em outros segmentos, está habitada também pelo povo cigano, que inclusive está presente em nosso país desde os tempos da colonização.
Podemos evocar nomes portentosos de raízes ciganas como o ex-prefeito de Belo Horizonte e ex-presidente da República Juscelino Kubitschek, os poetas Castro Alves e Cecília Meireles, além de outros que poderíamos lembrar, em diversas áreas, e que no resgate histórico que solicitamos seriam evidenciados como dignos representantes de matriz cigana no seio do povo brasileiro. Entendemos que história é memória e por isso se faz necessário também este resgate, em benefício da nação brasileira e do mosaico que a compõe.
O preconceito, que leva à violência manifestada pela discriminação, afeta ainda – e historicamente sempre reprimiu – uma enormidade de pessoas, de categorias sociais diferenciadas, que com receio de sofrer retaliações não se expõem, aniquilando suas chances e ‘matando’ talentos e felicidades. Mas o sentimento e a vivência democráticos não podem comportar isso, em benefício de cada um e de todos.
Por entender que a Assembléia Legislativa é diariamente freqüentada por pessoas oriundas das mais diversas regiões e cidades mineiras, tomamos a licença de sugerir que o evento se realize no período de uma semana, possibilitando à todos um contato maior com nossa cultura, tradições e aspirações. Lembramos ainda que as etnias ciganas estão espalhadas por todo o estado. Por isso tal evento contribuiria excepcionalmente para que fossem mais bem reconhecidas para sua maior inclusão nas políticas públicas desenvolvidas no estado e nos municípios.
Se possível tal evento poderia se dar na semana que vai da segunda-feira dia 20 de maio até a sexta-feira 24 de maio. Este último dia é consagrado a Santa Sara Kali, padroeira dos povos ciganos, e foi instituído através de decreto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como Dia Nacional do Cigano, em 25 de maio de 2006. Já em 2007 a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) desenvolveu grande programação para comemorar a data, tendo sido lançado o carimbo e o selo ciganos pelas Empresas Brasileiras de Correios e Telégrafos e anunciada a Cartilha de Direitos da Etnia Cigana, pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
Sabedores da sensibilidade dos membros desta casa legislativa para questões candentes como as que aqui colocamos, e por vivenciarmos uma ainda dura realidade que podemos todos juntos transformar, em benefício da ampliação do sentimento coletivo de respeito e da paz social que todos almejamos, solicitamos nos seja dada tal oportunidade pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais.
Por uns caminhos extravagantes,
Irei ao encontro desses amores
-por que suspiro – distantes.
Rejeito os vossos, que são de flores.
Eu quero as vagas, quero os espinhos
e as tempestades, senhores.
Sou de ciganos e de adivinhos.
Não me conformo com os circunstantes
e a cor dos vossos caminhos.
Ide com os zoilos e os sicofantes.
Mas respeitai vossos adversários
que não querem ser triunfantes.
Vou com sonâmbulos e corsários,
poetas, astrólogos e a torrente
dos mendigos perdulários.
E cantamos fantasticamente,
pelos caminhos extravagantes,
para Deus, nosso parente.
Fonte:nhttp://www.vermelho.org.br/mg/noticia.php?id_noticia=208880&id_secao=76
Bom dia CIGANO LUZ!
ResponderExcluirÓtimo texto...
Devemos lutar contra a discriminação, ela paralisa os que sofrem preconceitos; desejo que este projeto seja aprovado e que se consiga esta semana para que se conheça melhor o Povo Cigano, na qual eu tenho muito respeito!
Não podemos acreditar que o homem que avançou de um modo poderoso na tecnologia tenha uma cabeça tão limitada de não reconhecer que precisamos avançar no respeito ao nosso semelhante...somos todos iguais...dentro de nós pulsa um coração, e quando se discrimina alguém por qualquer que seja o motivo...cai por terra toda a inteligência, toda a sabedoria, toda a bondade e nos tornamos pobres, paupérrimos de espírito!
E eu que sou amante de poesias achei lindo este poema de Cecília Meireles!Meus parabéns!
E acredito piamente que o respeito ao próximo é o primeiro passo para paz...sem ele nos tornamos trogloditas...e isto não combina com esta época...aliás, não combina com época nenhuma...vamos respeitar as diferenças, vamos olhar com amor as necessidades de cada pessoa, os costumes, as idéias, o jeito de ser! "RESPEITO" o mais importante!
Uma ótima sexta feira Amigo!
Um grande abraço
Janete Sales - Dany
Olá, meu Amor;
ExcluirPois é... Nossa eterna luta... Igualdade, fraternidade, respeito...
Malhamos em ferro frio?
Talvez... Mesmo assim, o importante é não esmorecer e sempre vislumbrar a possibilidade de que tais ideais sejam um dia alcançados pois, por mais que a luta seja árdua, ainda assim, temos que acreditar que o bem sempre triunfará!
Um beijo em seu coração, querida Amiga!
Esta é uma notícia realmente boa!
ResponderExcluirPosso estar sendo muito otimista e até sonhadora, mas creio ser real os movimentos de mudança em favor dos Romani, penso que quando as pessoas criam coragem de expor o que sofrem, quando o medo de sofrer retaliações é menor do que o desejo de ver seus direitos respeitados, nada permanece igual, algo começa a se transformar. É isto que tem acontecido para os Romani, o momento acena para a transformação de realidades, de conceitos e preconceitos, de coragem de se expor, do envolvimento de setores governamentais,do conhecimento e descobertas feitas pelos não ciganos, e, tudo isto só tem um destino: Mudança! Mais lenta do que deveria, mais difícil do que se imagina, mas real!
Em Minas Gerais residem a metade do número de ciganos do Brasil, 419 mil em um universo de 800 mil ciganos brasileiros, muitos deles cidadãos esquecidos e desrespeitados. Mais do que esperado que este estado faça jus à responsabilidade que tem para com seus cidadãos.
Penso que, quando a história dos povos ciganos figurar em todo livro escolar e for amplamente estudada e debatida nas escolas através de projeto de lei, terá sido este o primeiro grande golpe contra o preconceito. É fácil não compreender o que não se conhece, é fácil rejeitar ou condenar o que não se compreende, é preciso dar a conhecer.
Um beijo, Cigano!
Cigano,
ResponderExcluirsempre me lembro de voce, vim visitar seus blogs e ler um pouco.
beijos da Fada-amiga Sissym